terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Prefácio. Introdução a uma guerra e a um blogue

Todas as guerras são estúpidas. Mas há, certamente, umas mais estúpidas do que outras. A I Guerra Mundial foi particularmente estúpida. Sendo amador de História da Guerra, disciplina mui nobre no catálogo das especialidades historiográficas e conhecendo sem grande profundidade mas muito interesse e abrangência o primevo percurso bélico do homem, é isso que ressalta quanto mais estudo a Grande Guerra, como hoje, cem anos depois, ainda é conhecida, depois de uma segunda ainda mais devastadora. Isto é, a I Guerra Mundial tem a particularidade de juntar a escala gigantesca de morticínio a um elevado nível de incompetência, crueldade, sofrimento, teimosia e inconsequência.

No rescaldo da batalha de La Lys
A chamada Segunda Guerra Mundial foi, de facto, bem mais mortífera, e a Grande Guerra posiciona-se "apenas" no sexto lugar das guerras mais mortíferas da história da humanidade. Cem anos depois, no entanto, a "Grande Guerra" é a que decorreu entre 28 de julho de 1914 e 11 de novembro de 1918 entre os Impérios Centrais liderados pela Alemanha e os Aliados. Entre os Aliados, em grande medida graças à secular aliança com a Grã Bretanha, encontrou-se Portugal. Um país que dava os primeiros passos, tumultuosos e dolorosos, na democracia republicana instaurada em 1910. Democracia essa que faleceu jovem, em grande medida por causa da participação portuguesa na Grande Guerra.

Outra consequência de monta e médio prazo: A neutralidade que Salazar decretaria em 1939 tem raízes profundas nas memórias ainda frescas do sofrimento sem precedentes da I Guerra Mundial. Sofrimento direto das mortes em combate (cerca de sete mil, segundo as melhores estimativas, a maioria em África) e em jeito de fome e miséria, que varreram o país nos anos da guerra e subsequentes, e a que se juntou o quarto cavaleiro do apocalipse, o da peste: a devastação que a I Guerra provocou na Europa preparou também terreno mais que fértil para uma pandemia terrível de gripe espanhola, logo em 1918. Surto que em Portugal reclamou entre 120 a 140 mil mortes. No mundo, estima-se que tenha morto até 40 milhões de seres humanos. A gripe foi como que a cereja macabra em cima do bolo de violência sem sentido aparente da Grande Guerra. Dizemos sem sentido aparente porque, ao contrário de outras guerras, como a II GM, onde se divisa um sentido (que seria para os Aliados, por exemplo, a aniquiliação do grotesco nazismo expansionista), a I Guerra perde o sentido em muitos aspetos, a começar pelos contendores relutantes...

O processo que levou ao desencadear da Guerra não foi o impulso agressivo de um ditador, uma vontade expansionista, ou uma necessidade de anexar recursos e território; não foi sequer o coração de uma mulher, razões mais tradicionais para uma guerra. Foi o resultado irrestível de uma série de acontecimentos, intrígas, mobilizações e ações defensivas. O menino foi feito na Sérvia, o pai era um anarquista sérvio com a mania das grandezas chamado Gavrilo Princip e a mãe era a fanília real do Império Austro-Húngaro, que arrastou para a cerimónia os padrinhos:  a Alemanha, de um lado, e os Aliados, do outro, apadrinharam a criança mais tarde, embora sem grande entusiasmo*. Era uma Guerra que ninguém queria, um filho enjeitado que todos se viram obrigados a abraçar.

Outra característica estúpida desta Guerra prende-se depois com a própria natureza da progressão (isto é, falta dela) dos exércitos no terreno. Disputada principalmente por potênciais coloniais europeias - sendo a Alemanha um dos mais recentes membros do clube dos países com territórios ultramarinos, para desgosto de colonialistas instalados e dominantes como a Grã Bretanha -, a I Guerra foi também o primeiro conflito de larga escala altamente mecanizado. Foi como tal também um terreno de eleição para testar a capacidade dos novos e terríveis sistemas de artilharia, aviões, couraçados, gás, submarinos, blindados e outros armamentos com um poder de fogo nunca antes visto. Esta capacidade mútua destrutiva conduziu ao impasse brutal da guerra das trincheiras na Europa, que as cúpulas militares obstinadamente mantinham e as cúpulas políticas eram incapazes de resolver. Um desgaste lento e genocida que se arrastou por quatro anos que mudaram o mundo.

Por tudo isto e muito mais: recordemos e aprendamos. Este blogue pretende ser, enfim, um contributo para essa aprendizagem e uma fonte de recurssos para quem queira saber mais acerca de Portugal na Grande Guerra.


* Mais recente trabalho de investigação e reflexão histórica tem produzido uma certa recalibragem da "narrativa" a que estávamos habituados relativamente à I Guerra, nomeadamente a que diz respeito à responsabilidade da Alemanha no conflito, estando a inverter-se a habitual perspetiva de demonização germânica. A questão está longe de ser simples e as responsabilidades (culpas) são bem mais disseminadas. Uma coisa é certa, o Kaiser não marchou entusiasmado para a guerra, procurou apaziguar a tensão entre os aliados austro-húngaros e a Rússia, potência aliada da Sérvia, e só mobilizou os seus exércitos depois da Aústria-Hungria, a Rússia, a França e a Sérvia o terem feito. Há muitos mais pormenores ultimamente clarificados, que poderão ser objeto de análise neste blogue mas, em suma, isto para dizer que não há inocentes nesta história e que nem sequer foi uma guerra "justa". Foi um equívoco, que terminou num equívoco ainda maior chamado Tratado de Versailles.

Sem comentários:

Enviar um comentário