terça-feira, 21 de janeiro de 2014

La Lys, ícone do desastre. Perspetivas críticas.

A Batalha de La Lys é, de todas as que marcaram a I Guerra Mundial, a que ficou mais profundamente gravada no imaginário português. No anterior post falou-se por alto de incompetência, e La Lys (designação do ribeiro belga perto do qual decorreu o confronto entre as divisões luso-britânicas e as tropas germânicas), embora não seja assim tão líquida a importância da incompetência para o desfecho trágico, é também um ícone da impreparação e ineficiência, quer do poder político em Lisboa, quer do Corpo Expedicionário Português (CEP), assolado já por doenças, deserções, falta de comando e um ambiente geral de grande desmoralização. 

Na madrugada do dia 9 de Abril de 1918, os alemães atacaram massivamente as posições portuguesas, chefiadas pelo General Gomes da Costa (com cerca de quinze mil soldados minimamente operacionais nas primeiras linhas), que foram rapidamente cilindradas pelo poderio vastamente superior do inimigo: «55 000 soldados do VI Exército alemão, agrupados em oito divisões sob o comando do general Ferdinand von Quast (1850-1934) atacaram, seguindo o plano da ofensiva que Erich Ludendorff concebeu com o objectivo de tomar Calais e Boulogne-sur-Mer» (fonte)

Prisioneiros portugueses do CEP num campo alemão, logo após a derrota de La Lys (imagem do Arquivo Federal Alemão, fonte)


A Wikipedia diz que esta batalha constituiu «a maior catástrofe militar portuguesa depois da batalha de Alcácer-Quibir, em 1578» e não andará longe da verdade. O rescaldo da batalha registou do lado português cerca de 7500 baixas, entre mortos (cerca de mil, mais de 300 oficiais), feridos e prisioneiros*. Embora haja quem prefira destacar que as tropas portuguesas conseguiram resistir 24 horas ao assalto alemão, é inapelável que a derrota foi clamorosa e que só se salvou a heroicidade do Soldado Milhões. É certo e justo destacar, mesmo assim, que o desaíre português teve atenuantes, desde logo a inferioridade numérica e de capacidade de fogo avassaladora. Mas mesmo quem o realce, não esconde as fragilidades:


«(...) As tropas estavam em França, mas a desmoralização era enorme. O número de oficiais que se encontravam nas duas divisões portuguesas estava muito abaixo do minimo necessário. As tropas portuguesas estavam desenquadradas, e faltavam-lhes oficiais para enquadrar as tropas e comanda-las convenientemente. O conceito de carne para canhão, em que se enviam homens uns contra os outros, ainda era normalmente aceite.

Mas a baixa política e a irresponsabilidade dos políticos da Primeira República , não deixou de ensombrar as tropas. Depois de se enviar o CEP, não se sabia exactamente o que fazer com ele. Além disso, Portugal não tinha dinheiro para organizar as duas divisões e estas tiveram que ser armadas pela Inglaterra, e também não tinha navios para enviar tropas o que fazia o país depender da Inglaterra.

Por outro lado os militares Britânicos, e Franceses, também não sabiam como responder aos desafios da guerra moderna. Lutavam com as tácticas de Napoleão, que implicavam o combate a curta distância, mas viam-se perante a primeira guerra industrial do mundo. A solução foi a conhecida, uma guerra de desgaste, em que ganha quem ficar vivo no fim.

Muitos dos comandos das forças portuguesas, também pautavam pelo desleixo e pela falta de capacidade. Uma tropa analfabeta, comandada por um punhado de oficiais, grande parte deles sem qualificações e apenas medianamente alfabetizados. Oficiais crentes no valor do soldado português, mas sem entender que o mundo muda e que as guerras, já em 1918, estavam a ser ganhas pela capacidade industrial, e pela qualidade técnica dos comandos militares.». (in Área Militar)

Portugueses nas trincheiras da Flandres
Ainda na perspetiva crítica, e também em jeito de "provocação" para reflexão inquieta(nte), achamos pertinente reproduzir aqui um artigo interessante e bem escrito de Luís Bonifácio, intitulado «O desastre de La lys - Portugal na I Grande Guerra», publicado num website comemorativo do centenário da República e que traduz um pouco da fama infame de La Lys que perdura na memória nacional: 

«Há 91 anos os soldados e sargentos que se encontravam nas trincheiras da Flandres, desataram a correr assim que viram os soldados do Exército Imperial Alemão a meio da terra de ninguém. Os seus oficiais, aqueles que ainda não haviam desertado a coberto de uma qualquer licença, já haviam há muito abandonado os seus confortáveis quartéis.

Para trás ficaram 7 000 baixas, entre mortos, feridos e prisioneiros.

Ao fim do dia apenas restou a vergonha de todo um corpo de exército relegado para trabalhos braçais na retaguarda até ao dia 11 de Novembro.

O desastre de La lys não foi nenhuma novidade. Estava anunciado havia muito. Mais precisamente desde que, em 1916 o governo de Afonso Costa, acossado por todos os lados, declara guerra à Alemanha, na tentativa de inventar um inimigo externo que desviasse as atenções dos problemas internos.

Nesse dia ficou traçado o destino de milhares de Portugueses: um exército depauperado, comandado por oficiais incompetentes, cuja promoção dependia das simpatias políticas, iniciou em Tancos uma preparação para uma guerra inexistente, chamada pomposamente de “Milagre de Tancos”. Esse “Milagre”, vendido pelos jacobinos republicanos à opinião pública, como os milagres da Igreja do Reino de Deus, terminou assim que os membros do Corpo Expedicionário Português (CEP), cheios de Febre Tifóide desembarcaram em Brest, obrigando os aliados a confiná-los em quarentena afim de evitar uma epidemia catastrófica. O horror do aliados aumentou ainda mais, quando descobriram que todos os militares dos regimentos de metralhadoras, desconheciam em absoluto o funcionamento da metralhadora Lewis, o padrão dos aliados, e que os artilheiros ficavam embasbacados com a visão de uma peça de grande calibre.

Nos campos da Flandres teve de ser realizado novamente e a partir do zero, o treino para a guerra de trincheiras.

Sem meios para assistir o exército em França (Portugal apenas tinha dois velhos navios de transporte e nenhum de escolta), e dependente da boa vontade e paciência Britânica, o CEP ficou entregue à sua sorte, sem material nem reforços assim que começou o transporte do exército Norte-Americano para a Europa, fazendo com que os pobres praças Portugueses apodrecessem na lama e frio das trincheiras durante oito meses, quando os seus aliados e inimigos realizavam turnos de 30 dias.

Os oficias, esses, estiveram sempre bem instalados, atrás de secretárias, sempre com licenças para passeatas em Paris-Plage. Aqueles com boas ligações políticas conseguiam uma licença para visitar a família em Portugal, o que sempre significava uma viagem de ida sem volta.

Não admira por isso que, na madrugada de 9 de Abril de 1918, os praças Portugueses tenham atirado as espingardas para o chão, e fugido.

Foi a corrida pelas suas vidas. Foi a única coisa honesta que podiam ter feito.

Fugir a sete pés era a única coisa que uma República, que pouco ou nada se importou com eles, merecia» (fonte)



* Há autores que consideram estes números bastante inflacionados, apontando para baixas portuguesas em La Lys bem mais baixas, da ordem das poucas centenas de mortos. É, pelo menos, a conclusão da historiadora Isabel Pestana Marques, autora da obra «Das trincheiras com saudade» (a Esfera dos Livros, 2008). Em declarações à agência Lusa, por ocasião do lançamento do seu livro, sublinhou que «Portugal participou na I Guerra (1914-1918) fundamentalmente para «legitimação da República e para o seu prestígio, para procurar fazer esquecer internacionalmente o regicídio (1908) e unificar os portugueses pela causa da guerra, o que falhou». A participação portuguesa está, na avaliação da historiadora, muito mistificada, desde logo pela mortandade que afirma não ter não existido e pelo mito do «soldado desconhecido». Segundo a historiadora, morreram dois mil militares portugueses na Europa, 300 deles na batalha de La Lys, muito abaixo dos números divulgados, e seis mil foram feitos prisioneiros. «Inflacionámos os números para obtermos mais dinheiro das indemnizações de guerra», indicou a investigadora.» (fonte

1 comentário:

  1. Se Portugal ( os dirigentes políticos) não estavam verdadeiramente convencidos da manutenção das tropas na Flandres, mais valia terem-nas retirado o que pouparia muitas vidas. Pelo contrário, se a convicção que era manter a guerra, então deveriam ter fornecido melhores condições. Em todo o caso, penso o auxílio britânico, falhou aqui, redondamente. 15 a 20 mil soldados portugueses não iam conseguir fazer face a 55 mil.

    ResponderEliminar