terça-feira, 8 de março de 2016

Seminário Internacional: “Entradas na Guerra. A Entrada de Pequenas e Médias Potências na I Guerra Mundial”

O Instituto da Defesa Nacional vai realizar no dia 30 de março de 2016, entre as 10h00 e as 16h30, o Seminário Internacional “Entradas na Guerra. A Entrada de Pequenas e Médias Potências na I Guerra Mundial”. 


A conferência de abertura tem como conferencista a Professora Annika Mombauer, da Open University (United Kingdom). O Seminário Internacional contará com dois painéis, sendo o primeiro dedicado à entrada e à participação de pequenas potências na 1ª Guerra Mundial (Bélgica, Bulgária e Grécia); e o segundo relativo às diversas “entradas” de Portugal no conflito (diplomática, económica, africana e europeia).



O Seminário Internacional “Entradas na Guerra. A Entrada de Pequenas e Médias Potências na I Guerra Mundial” terá lugar no Auditório 1 do Instituto da Defesa Nacional, com videoconferência para as instalações do instituto no Porto.



O seminário visa analisar o quadro internacional do primeiro conflito mundial, principalmente no que respeita à posição das pequenas potências, e enquadrar a situação de Portugal nessa época. Este evento insere-se no projeto de investigação “Pensar Estrategicamente Portugal: A Inserção Internacional das Pequenas e Médias Potências e a Primeira Guerra Mundial”, atualmente desenvolvido pelo Instituto da Defesa Nacional, e que conta com a parceria do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e com o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.



O projeto de investigação, em que se insere este seminário, conta com o apoio da Comissão Coordenadora das Evocações do Centenário da I Guerra Mundial.


Mais informação aqui

Uma excelente entrevista com a historiadora Ana Paula Pires

Portugal oficialmente entrou na Primeira Guerra Mundial a 9 de março de 1916. O que aconteceu nessa data?

Aconteceu a declaração de guerra da Alemanha, na sequência da apreensão dos navios de guerra alemães e austríacos que estavam fundeados em portos portugueses desde a entrada da Alemanha na guerra. Portugal resolveu nessa altura, face às dificuldades que tinha nos abastecimentos e no transporte, tomar para si os navios.

É Portugal, então, que tem a ação que desencadeou a guerra?

Sim. Mas é uma iniciativa escudada pela Grã-Bretanha. Portugal já vinha sendo pressionado desde 1915 no sentido de tomar esses navios. Temos de olhar para o cenário de guerra internacional e era uma altura em que os aliados estavam numa situação complicada na Flandres.

Portugal estava a ser pressionado pelo velho aliado a entrar na guerra?

Não tanto a entrar na guerra. Era mais para requisitar os navios. Porque no íntimo da diplomacia britânica nunca se pensou que essa tomada de navios pudesse dar numa declaração de guerra.
Contudo, Portugal já tinha combatido a Alemanha em África.
Esse é um cenário pouco conhecido e faz impressão às pessoas perceber como é que nós só entrámos na guerra em 1916 se já tínhamos tropas a combater em África. Uma das preocupações da diplomacia republicana foi salvaguardar o património colonial. Há um envio de tropas logo em setembro de 1914.

Estamos a falar do Sul de Angola e do Norte de Moçambique, fronteiriços com colónias alemãs…

Exatamente.

Os alemães tinham atacado em África?

Não, o que aconteceu foi uma coisa bastante paradigmática e exemplificativa daquilo que foi a política portuguesa. Portugal é o único país envolvido na guerra que tem nesta fase inicial uma declaração de não neutralidade e não beligerância. Portanto não é neutral nem é beligerante. A pedido da aliança britânica, Portugal tinha tido este estatuto ambíguo. Logo nesses meses são enviados militares para Angola e Moçambique porque os territórios, ainda antes da declaração de guerra, já tinham sido alvo de cobiça e de disputa por parte da Grã-Bretanha e da Alemanha. Portanto, o governo português percebeu rapidamente que, se a guerra alastrasse às colónias, os territórios poderiam estar em perigo.

Continua aqui

«Portugal e a Grande Guerra - uma visão geral» em Oliveira de Azeméis


«O Apresamento dos Navios Alemães - Ação Naval e Casus Belli». Uma exposição no Museu da Marinha


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A Política e a Diplomacia no Início da Guerra (art. de Martins da Cruz)

Nas vésperas da Grande Guerra, João Chagas era embaixador em Paris. Fora presidente do ministério (primeiro-ministro), ministro do Interior e ministro dos Negócios Estrangeiros nos primeiros anos da República. A 27 de julho de 1914, um dia antes do início do conflito, escrevia no seu Diário: “Anunciam-me que a Inglaterra propõe uma mediação e que a França se associa a esta diligência. Mas anunciaram-me, também, que as hostilidades da Áustria contra a Sérvia começariam amanhã. Se for assim, é o déclenchement. É a guerra geral, é o fim do mundo.” (Diário de João Chagas, Vol. I, p. 111, 2.ª edição, Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1930).
E foi o fim de um mundo.
Há quem diga que o século XX começou em 1914 e terminou em 1989, com a queda do muro de Berlim e a implosão do império soviético. Teria sido, assim, o século mais curto da história da humanidade.
A diplomacia e, em especial, a história diplomática permitem vários ângulos de análise do passado. Dois são mais importantes:

– Os filtros políticos e diplomáticos atuais, o que pode levar a comparações interessantes;
– Os critérios da época que se analisa e com as informações e os métodos de intervenção políticos e diplomáticos da altura. Ambos são legítimos. Vejamos como eram a política e a diplomacia no início da Guerra, utilizando os critérios de época sem, contudo, os cristalizar.
Em 1914, o mundo era dominado pela Europa:
– Na demografia: 25% da população mundial era europeia; 40 milhões de europeus tinham emigrado nas últimas décadas; e só em 1913, um milhão e 350 mil europeus tinham saído da Europa, sobretudos para os Estados Unidos da América;
– Na expansão imperial: os impérios inglês, francês, português, belga, alemão e italiano somavam 500 milhões de habitantes e expandiram-se por todos os continentes, sobretudo na África e na Ásia, para além da influência espanhola nas Américas;
– Na economia e na produção industrial: embora sem grandes reservas de matérias-primas, a Europa detinha 52% da produção industrial mundial, sobretudo na metalurgia (60%) e no têxtil (70%);
– No comércio internacional, com 61% do total;
– Nos transportes: a marinha mercante europeia representava 85% da tonelagem mundial;
– Nas finanças: a Inglaterra, a França e a Alemanha eram os principais exportadores de capital;
– Na ciência e na tecnologia, que se refletiram nos avanços no domínio militar, no military build up;
– Na expansão religiosa: as missões católicas no mundo tinham 16 000 membros, as protestantes 8000;
– Na cultura, com o vanguardismo, a pintura e a literatura, além da difusão das ideias políticas e de expansão intelectual que, na perceção dos outros povos, equipavam a Europa à civilização. 

O destino do mundo era ainda europeizar-se ou ocidentalizar-se. O que está longe de ser o caso nos dias de hoje. Por outro lado, os principais países europeus eram democracias mais ou menos estabilizadas, e, apesar dos tiques imperiais, que veremos quanto ao decision making power, os parlamentos tinham um papel importante na governação. 
A Europa era um continente próspero no seu conjunto, embora o Produto Interno Bruto (PIB) francês fosse menos de metade do norte-americano e o PIB alemão 60% do inglês e metade do canadiano.
Numa perspetiva mundial, a presença europeia era determinante em África, na Ásia e na América Latina. 
Com exceção de Libéria e da Etiópia, a Europa colonizava a África, incluindo o Magrebe. 
O continente africano estava dominado por europeus, que controlavam a administração, a segurança e a economia. A Europa Ocidental era o destino de 83% das exportações africanas e representava 72% das importações. O comércio dos Estados Unidos com a África era inferior a 5% do total. 
A Alemanha tinha uma presença reduzida em África, que queria mais robusta. O governo inglês, num acordo secreto de outubro de 1913, repartiu zonas de influência com os alemães à custa de parte das colónias portuguesas de Moçambique e de Angola e, ainda, do Congo Belga. Este acordo nunca viria a ser ratificado por oposição da França. E ainda hoje não há certeza de que os governos portugueses da época tenham sabido do seu conteúdo exato. 
Também na Ásia, os interesses europeus eram dominantes. A única exceção era o Japão que derrotaria a Rússia em 1905, na primeira vitória de um Estado asiático sobre uma potência europeia, e que ocupara a Coreia e a Manchúria. 
A Europa dominava de uma ou outra forma o resto da Ásia, que já na altura tinha metade da população mundial. 
A Índia, com 315 milhões de habitantes, pertencia à administração inglesa. 
A Indochina era partilhada por ingleses e franceses. O império colonial holandês, construído em grande parte à custa do antigo império português do oriente, tinha 50 milhões de habitantes. E na China, o peso e a influência europeus marcavam o ritmo comercial, industrial e financeiro, nas mãos de grupos europeus que controlavam a débil dinastia manchu e, após 1911, pilotavam a jovem República chinesa. 
A política das esferas de influência tinham trazido para os europeus, sobretudo franceses e ingleses, mas também italianos e alemães, o que restava do império otomano, que perdera os seus territórios europeus e a iniciativa económica e financeira no resto do império. A entrada na guerra de nada lhe valeria, pois ficaria limitado ao que é hoje o território turco. 
Contudo, era na América Latina que a presença e a influência europeias mais se expandiam, nos aspetos económicos, sociais e culturais. A influência de espanhóis, ingleses e italianos na Argentina, de portugueses, ingleses e alemães no Brasil, de alemães no Chile era determinante no plano económico e intelectual. A França também estava presente, especialmente, na cultura e no ensino. 
A Europa tinha transformado a vida política, económica e cultural da América Latina, por vezes, à custa da classe média local, impedindo de certo modo que as elites locais tivessem autonomia e capacidade de decisão em função de interesses nacionais. E os Estados Unidos da América estavam atentos às oportunidades que iriam surgir com a guerra que se adivinhava e que conduziria – como conduziu – a uma perda de influência e sobretudo da presença económica europeia nas Américas.
Aliás, os Estados Unidos da América e o Japão eram, em 1914, os únicos concorrentes credíveis da Europa. 
Com 54 milhões de habitantes, o Japão industrializara-se rapidamente e iniciara uma expansão territorial que iria prosseguir durante a guerra, sobretudo à custa da China. Curiosamente, não são os asiáticos que se opõem a essa expansão, mas europeus e americanos que procuram limitar a zona de influência japonesa. 
Com quase 100 milhões de habitantes, os Estados Unidos da América já tinham uma população superior a todos os países europeus em 1914, com exceção da Rússia. O comércio com a Europa era essencial: 67% das exportações americanas, 47% das importações. Cada vez menos produtos agrícolas, cada vez mais matérias-primas e produtos industriais. A política externa dos Estados Unidos é a primeira a refletir com prioridade nas questões económicas e financeiras, concentrando-se, sobretudo, na América Latina (o pan-americanismo e a doutrina Monroe), e na Ásia (na sequência das anexações no Pacífico e na Ásia Oriental). E com uma relativa distância em relação aos europeus. Começa a despontar, também, a rivalidade entre os Estados Unidos e o Japão no Pacífico e na Ásia, que atingiria o ponto de rutura na II Guerra Mundial. 
A forte presença europeia no mundo, através dos então chamados impérios coloniais, levou mesmo alguns historiadores, neste Centenário da Grande Guerra, a olharem para o conflito na perspetiva desses impérios, analisando não só uma guerra entre europeus que se tornaria mundial, mas a guerra entre impérios. Pelo envolvimento das colónias, pela mobilização das suas populações, pelas consequências no final do conflito. 
Nesta perspetiva (veja-se, por todos, Impérios em Guerra 1911-1923, org. de Robert Gerwarth e Erez Manela, D. Quixote, Lisboa, 1914) talvez a única em que Portugal aparece num plano de igualdade com os outros países envolvidos, o resultado foi esclarecedor:

– A guerra teria acelerado a decadência dos impérios coloniais, que iriam desaparecer no rescaldo da II Guerra Mundial, nas décadas de 60 e 70; 
– Na Grande Guerra, os impérios de países ditos “terrestres” como a Alemanha, a Rússia, a Áustria e mesmo o império otomano iriam desaparecer; 
– Os impérios de países “marítimos”, como a Inglaterra, a França, Portugal, Bélgica e até a Itália e o Japão iriam manter-se e, nalguns casos, aumentar por força dos mandatos da Sociedade das Nações; 
– No Médio-Oriente, a França e a Inglaterra traçariam no pós-guerra as fronteiras que basicamente são as que existem ainda hoje e, como sempre, tal como sucedeu em África na Conferência de Berlim, ignorando etnias, história e religiões. Esta fragmentação teve resultados conhecidos num e noutro caso, infelizmente atuais nos Grandes Lagos em África e com o chamado Estado Islâmico, para só citar estes dois exemplos.

A Guerra de 1914-1918 representou, de certa forma, uma rutura com a ordem que reinou na Europa com o Congresso de Viena de 1815. Na reconstrução da Europa após Napoleão, os Tratados de Viena criaram uma nova ordem ou concerto europeu, que previa que as questões que separavam os países ou os eventuais conflitos deveriam ser tratadas pelas potências, através de uma rede de relações diplomáticas bilaterais e por congressos ou conferências internacionais, dando início a fórmulas incipientes mas estabilizadas do que hoje chamamos diplomacia multilateral. 
Este sistema de consultas quase permanente era, sobretudo, pragmático e não normativo. Visava manter os equilíbrios saídos de Viena e evitar novas guerras da amplitude das aventuras de Napoleão. Era facilitado por interesses partilhados pelos Estados europeus da altura, pela aceitação, por todos, de uma civilização e de valores baseados no denominador comum de herança cristã. 
Este equilíbrio foi posto em causa sobretudo pela Alemanha, após a Guerra Franco-Prussiana de 1870, concretamente por Bismark, que começaria a cristalizar o poder na nova Alemanha, através de um sistema de alianças que iria romper as plataformas e os entendimentos que vinham do Congresso de Viena. 
Foi Bismark e os seus sucessores que estiveram na origem dos dois blocos europeus, a Tripla Aliança e a Entente Cordiale que iriam dividir a Europa. 
A guerra viria a ser, como sempre, o resultado e a convergência no tempo de várias causas, e não apenas deste novo sistema de alianças entre europeus. 
Podemos inventariar algumas:

– A construção dos blocos europeus: com a Alemanha e o império austro-húngaro, a que se iria juntar a Itália, a Tripla ou Tríplice Aliança, em 1882, os chamados impérios centrais. 
– A Entente Cordiale, da França e da Inglaterra, em 1904, a que se juntará a Rússia em 1907, para se precaverem contra uma possível guerra. Esta Entente Cordiale é também o resultado do declínio inglês que necessitaria da França para enfrentar a Alemanha. Esta inflexão inglesa iria suscitar legítimos receios portugueses, já que o então equilíbrio peninsular exigia um aliado forte que compensasse Portugal das assimetrias na península, favoráveis como sempre a Espanha. 
– Ao contrário da Tripla Aliança, os países da Entente Cordiale não assumiram nenhum compromisso automático de defesa em caso de guerra. 
– Mas a Europa ficaria dividida em blocos na primeira década do século XX. Ao arrepio do que defendia Clausewitz: “Quem conquista prefere a paz; é sempre melhor invadir sem encontrar resistência.” 
– As desconfianças na Europa e os confrontos além-mar, nos impérios coloniais, foram agravando as tensões e conduziram a um aumento dos efetivos miliares e a uma corrida aos armamentos, quer terrestres, quer navais. A estrutura de forças começou a ser desproporcionada face à realidade e todas as Forças Armadas dos futuros beligerantes, sobretudo a Alemanha, planearam estratégias ofensivas para uma guerra rápida e curta. Por exemplo, a Inglaterra preocupava-se particularmente com o aumento do poderio naval alemão, que, segundo a Royal Navy, iria atingir capacidades para enfrentar as inglesas em 1917. 
– As causas económicas foram igualmente determinantes, já que nelas confluíam os desejos imperiais, a afirmação nacional (hoje diríamos assertiva), o reforço das capacidades militares, a necessidade de manter o crescimento do nível de vida das populações, o acesso às matérias-primas e os interesses geopolíticos da época. 
– A mudança das sociedades, sobretudo em Inglaterra, em França e na Alemanha, na sequência da industrialização e da urbanização, influenciaram e pesaram nos processos de decisão política e nas mobilizações militares. Aliás, esses novos figurinos sociais iriam acentuar-se no decurso da guerra e seriam irreversíveis no futuro, apesar dos retrocessos da Revolução Bolchevique. 
– Os interesses dos Estados foram-se polarizando nas elites político-militares, mas também nas incipientes opiniões públicas, aparecendo a guerra como a solução para os problemas. 
– Os governos começaram a pesar os prós e os contras de um conflito em função dos seus objetivos e interesses nacionais, ou da perceção que tinham desses interesses. 
– Como escreveu Marc Ferro: “Cada um pressentia que estava ameaçado na sua própria existência pelo inimigo hereditário e para todos o conflito obedecia a uma espécie de rito fatal” (La Grande Guerre, 1914-1918, Gallimard, 1969). 
– As posições dos diferentes países eram tributárias de situações anteriores ou de interesses polarizados: 
  • A França desejava, acima de tudo, recuperar a Alsácia e a Lorena, que a Alemanha anexara em 1875; 
  • A Inglaterra queria manter o império e o controlo dos mares, e impedir a Alemanha – que se assumia já como a segunda potência económica europeia – de dominar a Europa e sair para a África;
  • A Rússia queria sobretudo assegurar, pelo Bósforo, o acesso às “águas quentes”, anular o império otomano e garantir que a Áustria não controlasse os Balcãs; 
  • A Alemanha, com uma indústria cada vez mais forte e uma população animada por um patriotismo profundo, queria garantir influência nos mercados na Europa e no mundo, a que se opunham a França, a Inglaterra e de outra forma a Rússia; e pela parte do imperador Guilherme II, que a partir de 1891 abandonou a política de Bismark e anunciou a Weltpolitik como uma potência à escala mundial;
  • O império austro-húngaro, um puzzle criado no Congresso de Viena – e onde era sobretudo a máquina administrativa que mantinha a coesão entre populações e nacionalidades distintas – procurava manter presença nos Balcãs e no que é hoje o norte da Itália, e garantir a estabilidade do império; 
  • O reforço do nacionalismo nos Balcãs e também noutras regiões da Europa seria uma das causas do conflito, bem como as movimentações sociais que iriam dar origem à Revolução de 1917 na Rússia;
  • Os outros países, entre os quais Portugal, não tinham expressão ou capacidade de influenciar as decisões dos que foram em 1914 os Estados beligerantes. Apenas a Itália, que faria parte da Tripla Aliança, mas ficaria neutra em 1914, queria recuperar território e população de fala italiana do império austríaco, ter liberdade no Mediterrâneo, no Magrebe e uma palavra em África. 
Refira-se, sucintamente, a importância dos processos de decisão política, sobretudo em política externa, na Europa, antes de 1914. 
Embora os principais Estados já dispusessem de serviços diplomáticos como hoje os entendemos, apenas em França e em Inglaterra os Ministérios dos Negócios Estrangeiros tinham influência no processo de tomada de decisões. Considerando a importância do parlamento (no caso inglês) e do presidente da República (em França), a colaboração institucional funcionava. 
Já no caso dos impérios alemão, austro-húngaro e russo, o processo de decisão tinha em conta a diplomacia, mas estava polarizado no vértice do Estado, na figura dos imperadores. Como refere um historiador que analisou este tema (Christopher Clark, "Os Sonâmbulos"), «essa instituição antiga e esplendorosa que ligava a sorte de grandes Estados aos caprichos da biologia humana». 
A diplomacia passava, assim, para um segundo plano, embora fosse mantendo a rotina das funções, em detrimento das capacidades de análise e de influência. 
Nos anos que antecederam a Guerra de 1914-1918, a Europa e o mundo foram assistindo e participando em conflitos localizados e secundários que exprimiam de outra forma os objetivos e os interesses dos atores que se iriam envolver na Grande Guerra. 
Fora da Europa, a guerra entre os Estados Unidos e a Espanha de 1898, que levou à ocupação de Cuba e depois das Filipinas, ditou o fim do império espanhol. Os efeitos das guerras do Japão com a China e com a Rússia, em 1905, prolongar-se-iam até 1940. O primeiro confronto entre ingleses e alemães seria em África, durante a Guerra dos Bóeres, em 1899, onde algumas das táticas militares de 1914-1918 teriam sido iniciadas. 
Na vizinhança europeia, sentiam-se duas tentativas alemãs de controlar Marrocos e de condicionar a França em 1905 e 1911, a invasão italiana do império otomano, em 1911, com a conquista da Líbia e a anexação da Bósnia pela Áustria, em 1908. 
Mais graves foram os conflitos nos Balcãs e que seriam a causa imediata da Guerra de 1914. Entre 1912 e 1913, os ataques contra o império otomano, e depois contra a Bulgária, viriam a modificar o mapa da região, mas, sobretudo, a exacerbar os nacionalismos internos e a atrair as apetências externas. 
O perímetro desenhado no Congresso de Viena já não garantia a paz na Europa nem os conflitos entre europeus, no resto do mundo. Nos Balcãs, em Sarajevo, o atentado contra o principal herdeiro do império austro-húngaro, em 28 de junho de 1914, é considerado a causa direta da Grande Guerra.
Apesar das circunstâncias, houve diversas tentativas no plano diplomático e político para tentar travar a guerra. A Alemanha faria pressão sobre o império austro-húngaro e Paris sobre São Petersburgo, no quadro das alianças construídas. E os ingleses propuseram uma conferência internacional como mecanismo diplomático para aliviar as tensões. 
Provavelmente, foram tentativas com menos convicção, porque todos os atores pensaram que o conflito era incontornável. Mas recusaram, o que ressalta a intransigência alemã e austro-húngara e a vontade em prosseguir o caminho da guerra. 
Contudo, no plano diplomático, nas vésperas da guerra, “a política externa já está dominada pela situação militar” (Renovin, Histoire des Relations Internationales, Tomo III, p. 317). A perspetiva da guerra condicionava a diplomacia, as finanças, a generalidade das administrações das grandes potências. A guerra era um objetivo político. E os governos, através dos meios diplomáticos e militares, já tinham iniciado políticas de compromisso, por meio de negociações nem sempre fáceis para manter alguma coesão nos blocos, no que chamamos hoje o equilíbrio dos interesses dos países das coligações. Interesses políticos, diplomáticos, mas sobretudo militares. Esta influência militar na decisão política e diplomática é habitual nas vésperas e no início dos conflitos e começa a diluir-se quando os decisores adquirem a perceção de que as soluções vão ser políticas. 
Portugal não tinha voz internacional neste tabuleiro e o seu único objetivo nesses dias foi encostar-se à Inglaterra. E preocuparse com Espanha, como sempre. 
Alguns autores (ver por todos Marc Ferro) sublinham, ainda a justo título, a oposição de alguns dirigentes socialistas europeus à guerra: Jean Jaurès, que viria a ser assassinado antes do conflito, Rosa Luxemburg na Alemanha e a oposição trabalhista em Londres. 
Realizou-se, mesmo, uma reunião do Comité da II Internacional Socialista em Bruxelas, em finais de julho, onde se procuraram soluções diplomáticas. Porém, como diz Marc Ferro, “discutiram mas não atuaram”. 
O ângulo nacionalista superou as convicções ideológicas em França e na Alemanha. E os trabalhistas ingleses entrariam no governo em 1916, em plena guerra. 
Qual era a situação em Portugal? Este tema é objeto de outro tema neste colóquio e não devo, por isso, elaborar sobre ele. Deixo apenas duas constatações:
  • Em política interna, a instabilidade que pautou o início da República; 
  • Em política externa, dificuldades de reconhecimento de um novo regime; dependência da Inglaterra; receios de Espanha. 
Note-se que, desde a implantação da República até ao início da guerra, Portugal teve sete presidentes do ministério (como então se chamava ao chefe do governo) e outros onze durante a guerra. Passaram por Belém, até 1914, dois presidentes da República e mais seis durante a guerra. 
O número aumenta nos dois ministérios que nos interessam: 
  • Dez ministros do Estrangeiro de 1910 a 1914 e outros 23 durante a guerra; 
  • Seis ministros da Guerra até 1914 e mais 13 durante a guerra. 
Tudo isso tornou difusa e volátil a decisão e a interlocução em política externa e política de defesa, especialmente quando a política externa era toda elaborada e executada em função de relações bilaterais, dada a inexistência de estruturas europeias multilaterais. Como escreveu Carneiro de Moura no seu livro Portugal e o Tratado de Paz, “andávamos demasiado presos à luta íntima das nossas fatais paixões” (Depois da Guerra, Portugal e o Tratado de Paz, Lisboa 1918, p. 28). 
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Freire de Andrade, dois meses depois do início do conflito, escreveu ao embaixador de Londres (cito): 
«Portugal está pouco preparado para a guerra, pois o seu Exército e a Marinha dispõem de poucos recursos. Não se corrigem em pouco tempo deficiências de muitos anos. Financeiramente também a nossa situação não é brilhante, não temos recursos que são indispensáveis em ocasião de crise sobretudo para comprar os navios e o material de guerra que tão necessários nos são em caso de guerra» (Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Tomo I, MNE, Lisboa 1997, p. 66-68).
Portugal entra na guerra por várias razões que nos serão, certamente, adiantadas noutro dos temas deste colóquio. Os historiadores concordam geralmente nas três teses – a colonial, a europeia-peninsular e a da legitimação da República – que podem ser convergentes. 
Terminada a guerra, só ganharia a vertente colonial, o que pode explicar o que se seguiu. Aliás, é curiosa a observação de Norman Stone, no seu livro Primeira Guerra Mundial (p. 22): “No final do imperialismo europeu, na década de 1970, o país mais pobre do continente era Portugal, que possuía um enorme império africano, e os mais ricos a Suécia, que abandonara há muito a sua única colónia nas Caraíbas, e a Suíça, que nunca tivera império.” 
Voltando à Europa, é interessante ver que a estratificação em blocos veio a refletir-se na forma como a guerra se foi estendendo depois de 1914. O conflito começou com cinco beligerantes: as potências centrais da Tripla Aliança, a Alemanha e o império austro-húngaro; e do outro lado, a Entente Cordiale, os aliados, francês, inglês e russo. A Itália, em 1914, declarou a neutralidade e só entraria na guerra no ano seguinte. Depois viriam outros países, que iriam mundializar a guerra: o Japão com os aliados, a Turquia e a Bulgária com a Tripla Aliança, a Itália em 1915 e Portugal e a Roménia em 1916. E, finalmente, os Estados Unidos da América em 1917. Os outros europeus, incluindo a Espanha, permaneceram neutros. 
A guerra não viria a interromper a diplomacia, embora a única verdadeira tentativa de paz fosse uma iniciativa dos Estados Unidos da América, antes da sua entrada na guerra em 1917, menos de um mês após a queda do regime de czares na Rússia. 
O que surpreende na ação diplomática durante os primeiros meses da guerra, além do cuidado em atrair beligerantes pela França e pela Alemanha, dos esforços de contenção do conflito pela Inglaterra e dos equilíbrios de alguns para manter a neutralidade, é o claro desígnio de começar a pensar nas vantagens que se retirariam no final do conflito. 
Em 1914, os dois lados acreditavam que a guerra seria rápida, circunscrita à Europa e limitada aos efetivos militares, como tinha sucedido até então nos conflitos europeus. A mundialização, os efeitos colaterais nas populações civis, o uso militar das novas tecnologias e a própria duração do conflito foram fatores que foram sendo acrescentados pelos decisores políticos e militares. Mas não eram previsíveis quando das mobilizações, única fórmula de dissuasão então existente, nem quando do início do conflito. 
Apesar disso, as diferentes diplomacias, com o modelo do Congresso de Viena presente, iniciam análises e consultas sobre a melhor forma de projetar os interesses nacionais e de recolher vantagens territoriais, económicas, estratégicas e militares no final da guerra. Mais do que pensar numa paz negociada, como viria a suceder em 1939-1945, o paradigma das diferentes diplomacias europeias foi traçar os frios cenários do pós-guerra. 
O desenho do Tratado de Versailles foi iniciado em 1914. Seria outro se a Alemanha tivesse ganhado. Mas isso é o outro lado da História, ou melhor, é outra história.


António Martins da Cruz, Comunicação in Colóquio “Portugal e a I Guerra Mundial”, 7 de outubro de 2014, Assembleia da República, Lisboa, pp. 9-15 (fonte)

Congresso Internacional Portugal na Grande Guerra. Chamada de Comunicações

8, 9 e 10 de março de 2016 em Coimbra

«No ano em que se assinala o centenário da declaração de guerra da Alemanha a Portugal, de 9 de março de 1916, importa estudar, refletir e debater as consequências da participação, na política interna e externa, do Exército e da Marinha de Portugal no primeiro conflito militar à escala mundial (1914 e 1918). A paz alcançada na Conferência de Versalhes em 1919 traduziu-se, no ano seguinte, na criação da Sociedade das Nações e, consequentemente, na criação de uma nova ordem
internacional.

É inserido no programa nacional da Evocação do Centenário da I Guerra Mundial que se
realiza nas instalações da Brigada de Intervenção, em Coimbra, o Congresso Internacional
Portugal na Grande Guerra, a 8, 9 e 10 de março de 2016, uma organização conjunta do Centro
de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra - CEIS20 e da Comissão
Coordenadora da Evocação do Centenário da I Guerra Mundial que pretende fazer um balanço
científico e historiográfico em torno dos seguintes eixos temáticos:

1 - As campanhas militares em África
2 - A participação na guerra europeia
3 - A política externa portuguesa e a nova ordem internacional (...)»

Toda a informação aqui.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

A Grande Guerra e a Figueira da Foz. Uma exposição

A Grande Guerra e a Figueira da Foz - Exposição de um pequeno espólio da Casa Havanesa com espécies fotográficas (e não só) relativas à época (1914-1918). Patente na Biblioteca Municipal Pedro Fernandes Tomás.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Uma Guerra que o século XX português tudo fez para esquecer

A I Guerra Mundial não foi, definitivamente, uma gesta gloriosa para Portugal. A participação nacional nos vários palcos do conflito, em África ou na Europa, teve raros momentos de glória e regra geral saldou-se por um desastre. Seja nos campos de batalha, seja ao expor as fragilidades gritantes das nossas Forças Armadas, impreparadas e desorganizadas, sem dúvida afetadas pelo caótico clima político da I República, que só entre 1914 e 1919 nos deu nove governos nove. Em suma, foi literalmente para esquecer.

Esse esquecimento foi facilitado e prolongar-se-ia pelo Estado Novo, que durante quarenta anos tudo fez para não se falar muito no assunto. E assim (não) se fez: nem nos jornais, nem nas artes, nem na Academia, a palavra de ordem foi o silêncio. A narrativa oficial do regime era a glória do Império, a História Pátria era uma sucessão de heróis, conquistas e vitórias e na escola falava-se apenas por alto dos mártires das trincheiras (regra geral esquecendo-se África e glorificando o desaire do Corpo Expedicionário na Flandres), em diversas cidades foram erigidos monumentos aos mortos da Grande Guerra, empreitadas promovidas sobretudo por comissões de antigos combatentes, mas para todos os efeitos a nossa passagem por essa guerra foi remetida para o arquivo dos assuntos embaraçosos. E isto é particularmente evidente, por exemplo, no cinema.

De facto, pelo que pudemos perceber, apenas um (1!) filme português do século XX aborda a presença portuguesa na I Guerra, e são apenas vinte minutos inseridos numa comédia romântica... Trata-se da longa metragem "João Ratão", de 1940, um filme de Jorge Brum do Canto, com António Silva, Óscar de Lemos e Maria Domingas nos papéis principais. Segundo informação da RTP, trata-se de uma «comédia musical como raro exemplo da participação portuguesa na I Grande Guerra, única em representação ficcional. Para tal, foram construídos - nos estúdios da Tobis Portuguesa - um abrigo subterrâneo, uma trincheira e as linhas alemãs, por soldados do exército sob orientação de oficiais.»

A descrição de José de Matos-Cruz: «A partir de uma opereta, a história amorosa dum soldado português, João Ratão, que regressa da frente de batalha na Flandres, sendo envolvido em intrigas motivadas pela inveja, quanto a Vitória, uma rapariga do povo que namorara através de cartas escritas por outros... Evocação do patético cenário da guerra (1914-18), e a faina dos madeireiros, no deslumbrante Vale do Vouga.» (fonte)

O filme está na íntegra no You Tube:

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Centenário. Evocação oficial em tom heróico

A Grande Guerra e as Artes Plásticas. Exposição em Lisboa


A assinalar o centenário da I Guerra Mundial (1914/18), a Biblioteca Museu República e Resistência inaugura em 28 de junho, pelas 16 horas, no Espaço Cidade Universitária, a exposição “Grande Guerra – 100 anos”.

Trata-se de uma mostra composta por obras alusivas a esta efeméride, executadas pelos artistas plásticos Adão Rodrigues, Barbara Lehmann, Bela Mestre, Dinaguiar, Domingos Oliveira, Luís Dias, Lurdes Cabral, Mário Silva, Óscar Alves e Pé Leve.

A mostra estará patente até 29 de agosto (...)

Mais informação

O Soldado Português na I Grande Guerra. Uma exposição na Guarda



Exposição Fotográfica - "O Soldado Português na I Grande Guerra"

No ano do centenário do início da I Grande Guerra, o Museu da Guarda em colaboração com a Direção Central da Liga dos Combatentes e a Delegação da Guarda, apresentam a exposição "O Soldado Português na I Grande Guerra" .
Trata-se duma exposição de fotografias onde se podem observar as condições de vida e de combate dos nossos soldados, o equipamento utilizado e as consequências devastadoras dos combates.
Além das fotografias são apresentadas peças da coleção de militaria do Museu da Guarda como máscaras anti-gás, uniformes, armas e acessórios.
A exposição inaugura dia 17 julho pelas 18 horas e estará patente até final do mês de agosto. (in nota de imprensa do Museu da Guarda 15-07-14)

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Mulheres na Guerra. Enfermeiras portuguesas nas trincheiras

Sugestão de leitura. Uma excelentíssima reportagem histórica.

Expedição de 1917 - Desembarque
em Mocimboa da Praia (Cabo Delgado)
A não perder, esta reportagem de Manuel Carvalho e Manuel Roberto para o jornal Público. Como já aqui referimos várias vezes, a participação mais dramática de Portugal na Grande Guerra terão sido, não os campos sangrentos da Flandres, mais próximos e mediatizados - com a Batalha de La Lys à cabeça de uma participação, em batalha, fugaz e desastrosa -, mas sim os vários palcos africanos, onde o conflito com a Alemanha foi mais intenso e duradouro. 

O Norte de Moçambique e o sul de Angola, que confrontavam com territórios sob controle germânico, foram os principais cenários dessa campanha a todos os níveis - ou quase, se tivermos em conta que realmente conseguiram manter as fronteiras ultramarinas intactas...- também infeliz das Forças Armadas portuguesas, e que só recentemente começou a ser estudada e divulgada seriamente:

«Na Grande Guerra de 1914-18, o exército português sofreu a sua maior derrota em África desde Alcácer Quibir. No Norte de Moçambique morreram mais soldados portugueses do que na Flandres. Não tanto pela razia das balas alemãs. Mais pela fome, pela sede, pela doença e pela incúria. Minada pela vergonha, a I Guerra em Moçambique acabou votada ao esquecimento. Não tinha lugar numa nação que até 1974 sonhava com um império ultramarino. Numa viagem de mais de 2500 quilómetros, o PÚBLICO foi à procura dessa guerra sem rosto. Os cemitérios dos soldados foram profanados ou são lixeiras, mas o milagre da tradição oral conservou as suas memórias até hoje.». Continua aqui: A Grande Guerra que Portugal quis esquecer - Público