quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

De noite é que é o inferno...

«De noite é que é o inferno. Ou se vai de patrulha, de gatas, de moca e bomba, caindo aqui, levantando-se acolá, ou se espera que sejam eles que venham encostar-nos o frio gume da baioneta à gorja, preparando-se nesse caso tudo para a recepção. Mas se é gás e se são tiros, uma trabuzanada de acordar os mortos, logo começa um chinfrim diabólico de latas e campainhas para que a gente se mascare. E os telefones retinem, os estafetas põem-se a andar e o SOS sobe ao céu, no vinco luminoso dos very-lights que ficam iluminando a terra toda até que se apagam e o mundo é apenas escuridão. À artilharia de lá responde a nossa, e ao longe, há por vezes a sanguinolenta mancha dos incêndios. Ouve-se o crac-crac das metralhadoras que o boche despeja e que nós despejamos. E transida, bafejando as mãos, sem sono, a gente escuta os ecos e o nosso coração doente é como um velho relógio tonto oscilando entre a saudade dos que estão longe e a ideia de morrer ali, armado e equipado, sonolento e triste, como um cão sem forças», Albino Forjaz Sampaio, oficial português na Flandres, citado na obra "Das Trincheiras com Saudade", de Isabel Pestana Marques (Esfera dos Livros, 2008)

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