domingo, 9 de março de 2014

O horror do gás

"Gassed", de John Singer Sargent, representa as consequências de um ataque de gás mostarda na I Guerra
Entre tantas outras novidades, a I Guerra apresentou também ao mundo o horror da guerra química moderna em larga escala: o inimigo invisível que fez razias nos campos de batalha europeus e marcou todos os que passaram pelas trincheiras. A utilização de gases e venenos na guerra é uma prática milenar* e nas décadas que antecederam 1914 já tinham sido assinados vários acordos limitando ou proibindo a sua aplicação militar, a Grande Guerra, no entanto, constituiu a oportunidade ideal para os generais testarem o método em doses industriais, tendo em conta sobretudo as características de imobilidade da própria guerra de trincheiras que imperou nos teatros de operação europeus.

Gás lacrimogénio, gás mostarda (gás amarelado que queimava a pele e causava danos irreparáveis nos pulmões), ou agentes químicos letais como o fosgénio e o cloro, tornaram-se nomes terrivelmente familiares naquela altura. Estima-se que as armas químicas mataram ou feriram cerca de 1.3 milhões de pessoas, incluindo dezenas de milhares de civis desprotegidos das zonas gaseadas. Estas armas químicas foram primeiro utilizadas nas trincheiras pelo exército francês (gás lacrimogénio) e os alemães não tardaram a responder com a utilização maciça de cloro. No início limitavam-se a abrir barris de cloro, que espalhavam ao sabor do vento, quando este soprava na direção do inimigo, mas cedo ambos os lados aprenderam a adaptar obuses de artilharia, carregando-os de fosgénio ou de outro tóxico qualquer, desencadeando uma corrida frenética de desenvolvimento de métodos de matar com gás. 

"Wounded Soldier", de Otto Dix, pintor e soldado alemão da I Guerra
(1891 - 1969)
Ao mesmo tempo, embora mais lentamente, foram também sendo desenvolvidos aparatos de defesa pessoal e surgiram as primeiras máscaras com filtros muito rudimentares, mas nos primeiros anos de guerra a esmagadora maioria dos soldados e das populações estavam completamente desprotegidos, não sendo raro embeber lenços em urina (a amónia da urina neutralizava em parte os efeitos do cloro). 

Mas a devastação da guerra química moderna foi brutal e a sua própria natureza insidiosa, contrária a uma prática bélica minimamente ética, acabou por levar a uma das mais positivas consequências do conflito, o Protocolo de Genebra, firmado em 1925, que bania completamente as armas químicas ou biológicas. O tratado foi quebrado diversas vezes no século XX - na II Guerra ou na guerra Irão-Iraque, por exemplo -, mas tornou-se um compasso ético internacional para a maioria das forças armadas convencionais do mundo.

O horror da guerra química em larga escala ficou também plasmado na arte e na literatura. Um exemplo dos mais marcantes é o poema Dulce et Decorum Est, de Wilfred Owen, considerado o grande poeta inglês da I Guerra:

Bent double, like old beggars under sacks,
Knock-kneed, coughing like hags, we cursed through sludge,
Till on the haunting flares we turned our backs;
And towards our distant rest began to trudge.;
Men marched asleep. Many had lost their boots;
But limped on, blood-shod. All went lame; all blind;
Drunk with fatigue; deaf even to the hoots  
Of tired, outstripped Five-Nines that dropped behind.
Gas! Gas! Quick, boys! – An ecstasy of fumbling,
Fitting the clumsy helmets just in time;
But someone still was yelling out and stumbling,
And flound'ring like a man in fire or lime...
Dim, through the misty panes and thick green light,
As under a green sea, I saw him drowning.
In all my dreams, before my helpless sight,
He plunges at me, guttering, choking, drowning.
If in some smothering dreams you too could pace
Behind the wagon that we flung him in,
And watch the white eyes writhing in his face,
His hanging face, like a devil's sick of sin;
If you could hear, at every jolt, the blood
Come gargling from the froth-corrupted lungs,
Obscene as cancer, bitter as the cud
Of vile, incurable sores on innocent tongues,
My friend, you would not tell with such high zest
To children ardent for some desperate glory,
The old Lie; Dulce et Decorum est
Pro patria mori.

Wilfred Owen (8 October 1917 - March, 1918)



* Embora haja registos mais antigos no Oriente (sobretudo na China) um dos primeiros registos históricos da utilização bélica de gás tóxico no mundo ocidental remonta à Guerra do Peloponeso, entre Esparta e Atenas, no século V a.C.. Fazendo cerco a uma cidade ateniense, os espartanos queimaram pilhas de madeira, resina e enxofre, junto às muralhas da cidade sitiada.

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